arca de noé
o friozinho na barriga se confundiu com a noite chuvosa, não sabia mais se era ansiedade ou simplesmente os pingos de chuva molhando o cabelo. as ruas de asfalto brilham como espelhos, cada carro que passa faz aquele barulho gostoso de pneu na água, vooosshhh. sente-se observada, consciente do próprio corpo, sentidos alerta, coração levemente disparado. não é medo, é antecipação, aquele prazer anterior ao prazer, uma leve adrenalina temperando os minutos de espera. a chuvinha leve e o vento deixam o cabelo ainda mais bagunçado, um pássaro exótico com coração de leoa, menina-mulher. sorrindo por dentro, um gosto doce na boca (desejo puro, sonho), sobe, sobe e chega brincando de beija-flor. a cor da noite, o barulho abafado, aquela chuva espelhando a cidade toda deu vontade de voar, de rir sem motivo. "ele mora numa torre", pensava sorrindo para a cidade-espelho. ele bagunçou ainda mais seu cabelo com mãos firmes, sem saber que ela é pássaro que oscila entre o debate e a entrega. nas suas mãos, ela se mostra mulher-bicho: colibri, enguia, gata, corça, cadela, girafa, gazela, leoa. ele brinca com todo o zoo, tranquilo e firme; alisa a gata, acalma a corça, domina a leoa. ela se entrega, ele explora.
de súbito, como numa paródia de história fantástica (já que havia a chuva e os bichos), veio a água. uma inundação escorrendo sem controle, água por todos os lados, tomando o espaço. a água lavou pés, mãos, o chão e as paredes. ela ria feliz, chapinhando, porque a cachoeira que escorreu (e ela foi razoável) levou muito mais que sujeira e pó dos cantos. a água levou tudo o que ela não queria mais, levou o resto de medo, de pudor, os incômodos da vida. ele olhava perplexo a moça no seu estado mais natural: pés molhados no meio da água, rindo feliz. ela não é mais bicho, é só mulher em paz; ele está tranquilo em meio ao caos e ambos se reconhecem, finalmente. da madrugada, sobraram a água insistente e os dois molhados, sorrindo dos mistérios da vida.
de súbito, como numa paródia de história fantástica (já que havia a chuva e os bichos), veio a água. uma inundação escorrendo sem controle, água por todos os lados, tomando o espaço. a água lavou pés, mãos, o chão e as paredes. ela ria feliz, chapinhando, porque a cachoeira que escorreu (e ela foi razoável) levou muito mais que sujeira e pó dos cantos. a água levou tudo o que ela não queria mais, levou o resto de medo, de pudor, os incômodos da vida. ele olhava perplexo a moça no seu estado mais natural: pés molhados no meio da água, rindo feliz. ela não é mais bicho, é só mulher em paz; ele está tranquilo em meio ao caos e ambos se reconhecem, finalmente. da madrugada, sobraram a água insistente e os dois molhados, sorrindo dos mistérios da vida.
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